sábado, 30 de agosto de 2008

Agora vai, Itabuna!


Eduardo Lavinsky*

Quem disse que tudo vai de mal a pior no nosso paiz? – assim mesmo, com um z bem esticado no final, numa singela deferência ao presidente Lula (esclareço que, como o Zé Alencar, torço para que ele permaneça mais uns oito anos na Presidência). Mas insisto: quem disse que não está tudo bem? Porque discordo frontalmente desse pessoal que não consegue ou não quer enxergar os extraordinários avanços obtidos pelo nosso Brasil varonil rumo à condição de potência mundial (lembrem-se: já somos emergentes!).
Lógico, algumas questões um tanto incômodas ainda não puderam ser definitivamente resolvidas: violência, drogas, miséria, invasões no campo, saúde pública deficiente, educação idem... Mas, até onde eu sei (e acompanho atentamente os informes oficiais), todas as providências já estão sendo tomadas pelas nossas zelosas autoridades e num futuro próximo tudo isso estará resolvido. E não tenho porque duvidar. Sou (e me orgulho disso) o que chamam de otimista incorrigível.
Devo admitir, no entanto, que ultimamente o meu ânimo andou um tanto abalado por acontecimentos que tiveram profundo reflexo na vida nacional: a Seleção Brasileira não conseguiu o ouro olímpico, perdendo justamente para a Argentina (logo ela!). Sem falar que na classificação geral de medalhas terminamos as Olimpíadas numa posição humilhante, a despeito do ufanismo cívico dos nossos narradores esportivos. E – quem diria? – descobrimos que a assassina de Salvattori é Flora e não Donatela, como todos acreditávamos, o que gerou uma inversão de expectativas capaz de abalar o mais insensível dos corações (ainda não me recuperei do golpe, devo confessar).
Além disso, os nossos olhos se abriram, enfim, para o brutal constrangimento imposto a concidadãos ainda sem culpabilidade provada em juízo e que vinham sendo arbitrária e espetaculosamente algemados pela Polícia. Embora a medida só valha, na prática, para os endinheirados com bom trânsito nos tribunais superiores, devemos admitir que já é um começo. Evidentemente, a lista de registros sobre os grandes dilemas nacionais não acaba por aí, mas por que perder tempo com coisas desagradáveis? Sejamos otimistas, digo sempre, e geralmente sou recompensado por pensar assim.
Ontem, por exemplo (escrevo estas mal traçadas na terça-feira, 26), tive a grata satisfação de assistir pela primeira vez este ano à propaganda eleitoral pela televisão. Mesmo envergonhado por negligenciar um dever nunca esquecido por qualquer cidadão politizado e responsável, admito que só sintonizei o programa por um incontrolável acesso de curiosidade (nesse horário normalmente preferia me dedicar a atividades que imaginava mais prazerosas, como bater um papinho com alguma atendente de telemarketing ou dar uma esticadinha até a fila do Bom Preço). No entanto, cometeria uma injustiça se não dissesse que, desta vez, fiquei agradavelmente surpreso com o que vi na telinha. Surpreso apenas, não... Maravilhado!
Eu simplesmente não sabia que uma enorme quantidade de pessoas está preocupada com o meu bem-estar e firmemente disposta a garantir que os próximos quatro anos sejam os melhores e mais gratificantes de toda a minha vida. E isso, pelo que pude entender, sem visar nenhuma recompensa, movidas por pura generosidade, além de um irresistível ímpeto de cuidar de mim, e, de quebra, tirar a Itabuna velha de guerra do atraso (ou seria o inverso?). De qualquer forma, creio que tanto desprendimento deve merecer a minha eterna gratidão. E pense nisso você também. Afinal, como os próprio candidatos sempre fazem questão de deixar claro, exercer um mandato público é atividade estafante, que exige sacrifício desmedido.
Descobri, aliás, que fazia péssimo juízo de pessoas que antes eu só via à distância, a bordo dos seus carros de luxo ou protegidas atrás das cercas elétrica dos seus casarões. Até cheguei a achar algumas delas esnobes, mas que nada, era pura impressão. Na verdade, esse pessoal é simples e boa-praça... Tanto que também vai às favelas, abraça apertado os catadores que vivem no lixão e bota no colo criancinhas com o nariz escorrendo meleca. É comovente, sobretudo, a sinceridade que emana por todos os poros dos nosso futuros bemfeitores e a sólida convicção que mostram ao falar de suas vindouras (e numerosas) ações.
É bem verdade também que alguns prometem o que jamais poderão realizar (candidatos a vereador garantindo segurança pública, educação e saúde, enquanto postulantes à Prefeitura acenam com providências que são atribuições apenas do Governo Federal, quando não de santos bons de milagre). Mas é compreensível: a vontade imperiosa de servir à sofrida população itabunense justifica esses pequenos arroubos. E tenho que dar a mão à palmatória: ao contrário do que eu pensava antes, aparecer na TV não é privilégio apenas de “gente jovem e bonita” (para citar dois atributos sempre muito festejados nas colunas sociais). Povão também aparece na telinha, e não só nos programas policiais.
Presenciei um repórter dedicar preciosos minutos do tempo concedido pela Lei Eleitoral a sua coligação para entrevistar um velho maltrapilho, cujo rosto vincado exibia as marcas de décadas e décadas de abandono e sofrimento. Foi um tanto doloroso vê-lo, homem beirando talvez os 80 anos, chorar feito criança ao ser minuciosamente sabatinado sobre a existência miserável que sempre levou. Também não foi muito confortante ver uma favelada, instada pelo diligente repórter, mostrar uma panela onde boiavam dois ou três pedaços minúsculos de alguma coisa não identificável – a única refeição para uma família inteira, talvez para mais de um dia.
Contudo, tenho absoluta certeza de que a exposição de seres humanos naquela situação não é oportunismo deslavado, mas sim uma estratégia necessária e... didática, digamos assim. Afinal, é preciso deixar bem claro (e o povo é ruim de aprender) que se a gente eleger a pessoa certa, aqueles favelados e mais algumas centenas deles que existem por aí passarão automaticamente do inferno ao melhor dos mundos. E nós todos iremos juntos, naturalmente.
Portanto, se você está desgostoso com a vida, descrente do futuro e borocochô a ponto de sua mulher sugerir Costeletas de Carneiro à Afrodite em sua dieta, não desanime: ligue a TV, abra olhos e ouvidos para o que dizem os nossos candidatos e encha-se de ânimo e confiança. Eu fiz isso e agora posso afirmar com absoluta convicação que desta vez Itabuna vai... Agora vai!

*Jornalista

No entanto, cometeria uma injustiça se não
dissesse que desta vez fiquei agradavelmente surpreso
com o que vi na telinha. Surpreso apenas, não... Maravilhado.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

CRÉDITO DE CONFIANÇA

Por Walmir Rosário
Não existe a menor sombra de dúvida que a mudança da diretoria da Ceplac trará resultados positivos para a instituição e para a lavoura cacaueira do Brasil, sobretudo a baiana. Meu raciocínio parte do princípio de que toda mudança, quando bem-feita, é benéfica. No caso da Ceplac, a expectativa é que o novo diretor acabe com o marasmo que tomou conta da instituição, reconduzindo aos trilhos a locomotiva da produção de conhecimento.
Como diz o ditado popular, pior não pode ficar. Portanto, basta traçar um programa de trabalho mínimo, um simples feijão-com-arroz, para que os primeiros resultados sejam notados. Exemplo disso é o que não falta. E a estratégia do momento parece-nos ser a elaboração de projetos e programas possíveis de serem executados a médio e curto prazo.
Principalmente quando se trata de órgão público, cujas metas normalmente fazem parte de um programa de trabalho e um orçamento prévio devidamente aprovado, não há muito segredo em termos de administração. As invenções não fazem sentido, até porque a administração pública é feita dentro de limites bem definidos, a não ser em casos muitos especiais, como calamidades e coisas similares.
E o novo diretor da Ceplac, Jay Wallace, causou boa impressão aos diversos segmentos da cadeia produtiva do cacau do Sul da Bahia. Se antes alguns setores o viam com desconfiança por sua origem fora das fronteiras regionais (é paraense), o conhecimento e a segurança que demonstra em relação aos problemas da Ceplac e da cacauicultura fez ruir barreiras.
É preciso também levar em conta que a indicação de Jay Wallace teve o aval de setores importantes da Ceplac sul-baiana e da esmagadora maioria dos políticos do Norte do País, cuja mobilização deveria servir de exemplo para nós (cadê a nossa tão lembrada bancada do cacau?).
E para quem espera uma guinada repentina na atuação da Ceplac, com prioridade maior para médios e grandes produtores (os que restaram), é preciso lembrar que Jay Wallace já teve o cuidado de dizer que a direção do órgão mudou, mas o Governo Federal, não. E disse isso para demonstrar que a instituição seguirá a política agrícola do Governo Lula, fornecendo uma assistência técnica diferenciada à agricultura familiar. Não temos nada contra essa opção, é bom que se diga, mas é preciso entender que a Ceplac, órgão responsável pela extensão e pesquisa do cacau, não pode delegar a renovação da cacauicultura exclusivamente aos produtores.
Competência para isso eles já demonstraram que têm, mas necessitam do desenvolvimento de novas tecnologias, uma atribuição intransferível da Ceplac. Sabemos que as dificuldades enfrentadas pela instituição são muitas: a extensão rural padece de uma crônica escassez de profissionais, sejam eles engenheiros agrônomos, médicos veterinários ou servidores das chamadas atividades-meio. Pela falta deles, inúmeros escritórios locais estão fechados.
O diretor da Ceplac alerta que os métodos de assistência técnica rural mudaram e que hoje não é mais recomendável a forma individualizada de antigamente. Uma realidade já admitida antes, tanto que a própria Ceplac, anos atrás, já adotara essa estratégica criando um setor de comunicação institucional no antigo Departamento de Extensão [hoje Cenex].
À época, destacados profissionais de comunicação do Sul da Bahia foram contratados e formaram, junto com extensionistas, pesquisadores e educadores, a maior rede de comunicação de uma instituição do gênero. Só que o sucateamento do órgão promovido no Governo Collor esfacelou essa importante ferramenta de convencimento e difusão de tecnologia.
Portanto, não há nenhuma novidade nas soluções necessárias para colocar a Ceplac no mesmo nível de eficiência que desfrutou no passado. Mas não bastam apenas bons propósitos e programas factíveis. É preciso, sobretudo, garantir a correta operacionalização dos projetos e programas que vierem a ser elaborados.
Atualmente, talvez a maior carência da Ceplac seja a falta de comprometimento do próprio Estado para com a instituição, renovando seus valores, reativando missões e metas. É o que falta para o órgão atuar eficientemente e voltar a ser visto de forma positiva pela sociedade. Esta não é uma missão impossível e pode ser implementada em tempo relativamente curto, bastando, para tanto, apenas vontade política.
Mas para alcançar tal objetivo é preciso realizar um diagnóstico completo e pôr em prática medidas que contemplem todos os segmentos envolvidos na retomada do desenvolvimento institucional. Não basta privilegiar setores, mas buscar a eficiência de forma holística, através de cada elo da cadeia produtiva.
Uma das primeiras atitudes que deve ser tomada pelo novo diretor é unificar os objetivos e estratégias da pesquisa e extensão rural, principalmente quanto à difusão de tecnologia. Afinadas, por certo as orientações técnicas chegarão ao produtor de forma clara, prontas para serem assimiladas pelos agricultores.
Outra atitude imprescindível é a revitalização da instituição, através de contratação de profissionais para a pesquisa e extensão, o que até agora parece não ter merecido atenção especial do Governo Federal. Sem profissionais com experiência comprovada, não há como executar os programas.
Outro importante ponto, a valorização profissional, não deve se restringir apenas aos pesquisadores e extensionistas [fiscais federais], cuja situação salarial foi revista recentemente e colocada em parâmetros aceitáveis (embora o mesmo não se possa dizer quanto aos profissionais de outras graduações, também imprescindíveis à geração e difusão de tecnologia).
A verdade é que os funcionários da chamada atividade-meio, essenciais para o funcionamento do órgão, ainda não mereceram a devida atenção por parte da direção da Ceplac, permanecendo como uma espécie de “sub-raça de ceplaqueanos”, digamos assim, cujas agruras salariais não sensibilizam ninguém. É preciso que os dirigentes da Ceplac reconheçam que sem o jornalista, o contabilista, a bibliotecária, o motorista, a secretária, o escriturário ou o operário de campo não há pesquisa que apresente resultado, muito menos assistência técnica que atinja o produtor rural. É inadmissível constatar que vários desses funcionários de nível intermediário e auxiliar, mesmo sofrendo de doenças graves como o câncer, sejam obrigados a abrir mão do plano de saúde e mendigar a ajuda de terceiros por não poderem arcar com as mensalidades cobradas pelas seguradoras.
Voltando ao novo momento vivido pela Ceplac: ultrapassada a barreira do regionalismo exacerbado e a condição alienígena do diretor, resta apenas e tão-somente a ele a incumbência de pacificar os ânimos, escolher colaboradores comprometidos com a Ceplac e que não rezem pela cartilha de políticos nefastos. Ao mesmo tempo, espera-se dele a competência para aglutinar apoios políticos dos mais diversos partidos, inclusive da bancada baiana do cacau, a fim de materializar os planos que certamente tem para mudar a Ceplac.
Publicado no Jornal Agora, edição de 16 a 18 de agosto de 2008

domingo, 10 de agosto de 2008

PAC do Cacau - adjetivos, advérbios e conclusões

POR WALMIR ROSÁRIO

Indignação! Não poderia ser diferente a reação dos cacauicultores em relação ao tão propalado PAC do Cacau. O que era para ser solução se tornou desespero, fazendo correr rio abaixo todas as expectativas depositadas num plano que atendesse às necessidades dos produtores de cacau, endividados ao extremo.
Frustração! Todas as esperanças, como num conto de mágica, se desvaneceram, e os sonhos de uma nova cacauicultura foram transformados em pesadelo. Mais uma vez é colocado um obstáculo no caminho dos produtores na luta contra a vassoura-de-bruxa, como se não bastassem os já existentes.
Injustiça! É a única conclusão possível, reforçada pelo mea-culpa feito pela Ceplac, através da Nota Técnica, reconhecendo a ineficácia das recomendações constantes do pacote tecnológico. E a tudo isso foi dado e passado recibo, embora as autoridades governamentais façam hoje ouvidos de mercador.
Afronta! Não é de hoje que o produtor de cacau é tratado como um Perdulário, daqueles que acendem charutos com notas de 500 mil réis, entre uma dose de whisky e um cheiro no congote da quenga no Bataclan de Maria Machadão. Coitado doJorge Amado, não sabia quanto mal causaria à imagem do cacauicultor, muito embora o seu estilo literário tenha sido inspirado na ideologia comunista que admirava.
Raiva! Parece ter sido – pelo menos deixa a entender - esta a herança que caberá aos próceres petistas, que não souberam (e ainda não sabem) distinguir ficção da realidade. Por fidelidade a uma ideologia já comprovadamente obsoleta, o esquerdismo festivo e inconseqüente, eles provocam a destruição de uma lavoura responsável ainda potencialmente capaz de diminuir a miséria numa região com quase dois milhões de pessoas.
Desprezo! Somente se explica esse tratamento infame dispensado aos cacauicultores a um trauma ideológico de quem passou anos a fio tentando prejudicar a maior matriz econômica regional. Os socialistas de ontem, agora vivendo na bonança e tendo todas as suas necessidades satisfeitas, não conseguem ter a grandeza de semear a concórdia e ganhar a confiança daqueles que têm muito pouco ou nada.
Repulsa! Quem chega ao poder e continua a agir como perdedor não merece a vitória. Só faz jus a ela quem é capaz de dispensar tratamento igualitário àqueles que produzem com dignidade. Sadismo e vingança só apequenam a quem os pratica.
Ódio! Sintoma de pequenez mental que impede a superação de conflitos passados. Com a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, essa ideologia do autoritarismo e da violência deveria ter sido revista. Mas não, continua latente. É triste ver o quanto os progressistas de ontem se transformaram nos conservadores de hoje.
Empreendedorismo! Como se não bastassem todos os revezes sofridos ao longo dos anos, causados pelo que aconteceu do lado de dentro da porteira, os cacauicultores também têm que superar as dificuldades existentes fora dela, impostas pela burocracia estatal. Todos esses percalços, entretanto, não fazem desvanecer o espírito do cacauicultor, sobretudo pelo seu apreço ao seu trabalho.
Superação! Dólar baixo, insumos em alta e o grande endividamento causado pelos altos custos dos serviços da dívida, além da mão-de-obra cara, sempre foram obstáculos superados pelo cacauicultor. Só que agora - e ele não esperava por isso - ele tem que lutar contra a oposição ao sistema produtivo de sucesso, como se praticar o capitalismo fosse pecado ou crime contra a humanidade.
Liberdade! Na democracia a verdade tem de ser absoluta e a liberdade tem de pairar, soberana, acima de todos os interesses, sejam eles políticos, econômicos ou sociais. Acima de todas as divergências ideológicas devem prevalecer a inovação tecnológica, a livre concorrência, a geração de riquezas e a promoção do bem-estar social.
Livre pensamento! Ficam aqui, a título de sugestão, os ensinamentos de Immanuel Kant, em O que é o esclarecimento: "...Ouço, agora, porém, exclamar de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocineis, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único senhor no mundo diz: raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui, por toda a parte, a limitação da liberdade.".
Abdicação! Por tudo isso se conclui que não basta apenas (e exclusivamente) ao cacauicultor cuidar da produção, atendo-se à obtenção do poder econômico, mas racionar sobre a necessidade de deter também o poder político. Do contrário, continuará hoje, como antes, à mercê de discursos eloqüentes, mas ardilosos. Discursos feitos, sobretudo, com a intenção deliberada de ludibriar, induzindo os mais crédulos a permanecer cometendo erros históricos, inclusive o mais perigoso deles: delegar poderes a quem se comporta como inimigo.

Editor do Agora
(Publicado na edição do Agora de 09 a 11 de agosto de 2008)

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

DUDU DA GÁVEA?


Dudu Rocha...quem diria... foi parar na Gávea


Torcedor apaixonado pelo Botafogo, cansado com as perdas de decisões, Dudu devolve a faixa de campeão e resolve torcer pelo inimigo

Por Walmir Rosário

Do amigo, parceiro de Alto Beco do Fuxico e torcedor do Fogão, como eu, Dudu Rocha, recebo a seguinte missiva:
"Amigo Walmir:
Cansei!!!
Do amigo e ex-Bota

Dudu Rocha
29.05.08

Ainda pasmo e sem entender nada, eu lia e relia o texto enviado e o novo endereço do remetente escrito no verso do envelope:
Rem: Dudu Rocha
Novo endereço: Gávea

Confesso que levei um terrível susto e somente consegui me recuperar de tamanho choque após umas três doses da mais legítima Rio de Engenho, pois a cachaça se apresenta como um remédio providencial para essas coisas, mormente quando o assunto mexe com o coração.
Nem eu nem qualquer vivente freqüentador assíduo ou não do Alto (Médio ou Baixo) Beco do Fuxico conseguiria assimilar tal tresloucado gesto, tomado de uma hora para outra. Ninguém, de sã consciência, teria coragem de acreditar numa história como essas, ainda mais se tratando de um torcedor de quatro costados, filho da fina flor da mais tradicional família Rocha, todos botafoguenses, batizados e crismados com a camisa da estrela solitária.
Na tentativa de me refazer do susto, imediatamente liguei para amigos mais chegados, para repartir esse momento de infortúnio. Precisava saber se tudo não passava de um sonho, de um profundo pesadelo. De início, liguei para José Sena, flamenguista empedernido, capaz de abandonar qualquer farra nos bares da moda em Copacabana para assistir a uma partida do seu Flamengo no Maracanã.
Não precisa contar que a primeira reação de Sena foi achar que eu estava com febre, delirando, e disse na em cima da bucha:
- Ora, Rosário, está de porre, que cachaça brava foi essa que você tomou. Se não for cana. ficou maluco - gritou ao celular.
Mais calmo, após as devidas explicações sobre o bilhete e a faixa a mim entregue, passou à ofensiva:
- Bom, diga a ele que em princípio nós aceitamos, mas é preciso passar pelo conselho, já que ele era useiro e vezeiro em ridicularizar nosso time. Vou conversar com a diretoria lá no Rio, depois veremos. Mas pode ter certeza que a decisão será dada em alto estilo, numa assembléia extraordinária da Confraria do Alto Beco do Fuxico - prometeu.
Não satisfeito, liguei, desta vez para um vascaíno, o Paulo Fernando Nunes da Cruz (Polenga), que dentre os feitos futebolísticos traz assinalado em seu currículo o mérito de ter levado o polêmico Eurico Miranda no Alto Beco do Fuxico, quando era presidente do clube de São Januário. No Beco, mais exatamente no bar de Parente [Alcides Rodrigues Roma], provou três doses de Angélica, devidamente curada, e para arrematar ainda participou de cerca de 18 garrafas de Brahma bem gelada.
Mas voltando ao assunto, que é o que interessa, Polenga ficou injuriado com a proposta de Dudu Rocha de se transferir de mala e cuia para o Flamengo, um time com as cores vermelho e preto.
- Quem já viu isso, seu Walmir, se pelo fosse para o Vasco, que branco e preto como o Botafogo, ainda vai lá! Isso é uma heresia. Desde que Dudu deixou Itabuna para ir morar em Ilhéus que estou desconfiando que ele não está batendo bem da cabeça -, diagnosticou Polenga, com ar proeminentemente professoral.
De lá prá, mais não se teve notícia de Dudu Rocha, que deixou de vir a Itabuna, pra saudade dos colegas do Beco. Tampouco José Sena deu resposta de sua reunião com o tal Conselho do Flamengo, no Rio de Janeiro, ficando o dito pelo não dito. O que é certo é que nenhuma assembléia extraordinária da Confraria do Alto Beco do Fuxico foi convocada.
Como não tive coragem de apresentar a proposta de Polenga a Dudu Rocha, também não sei se ele teve coragem de cometer o tão tresloucado gesto, desprezando General Severiano e o Engenhão, para se bandear para as acanhadas acomodações da Gávea, infestada de urubus.
Acredito que quem deve estar em paz é o velho Dunga, que nunca pensou ter alguém em sua família capaz de cometer tamanho sacrilégio.
De minha parte, acho que valeram as orações feitas, não tanto por ele, por estar abilolado, mas pelas gozações que por certo seriam a mim impostas pelos colegas de Beco e outros refúgios etílicos existentes Itabuna afora.