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Um dos famosos Carnaval dos Carnavais promovido pelo Clube RM na Barrakitika, com música saudosista |
A extensão do lar. Assim é considerado o bar que cada um frequenta. Há quem diga que todo o mundo tem um botequim para chamar de seu. E é verdade. Em Ilhéus, um desses espaços etílicos é a Barrakitika, comandada com competência por Bruno Susmaga há 31 anos.
Claro que existem botequins para todos os gostos, indo desde o tradicional pé-sujo, o dos frequentadores no pé-do-balcão, até os mais sofisticados, que exibem um cardápio de fazer inveja aos mais refinados. Pois a Barrakitika está incluída nesse grupo, com uma cozinha maravilhosa, bebidas das mais variadas, daquelas que dá pra fazer um tour pelo mundo inteiro.
Porém, como não é só comida e bebida que faz o homem feliz, o botequim precisa ter alma. Sim, isso mesmo, alma, o mesmo que aquela sensação agradável que sentimos quando aconchegado, não importando o lugar, desde que rodeado de amigos, bom papos, histórias mil. E na Barrakitika isso tem de sobra, senão, vejamos:
Qual o botequim que se dá ao luxo de ser porta de entrada e saída (claro) e corredor da Casa dos Artistas, onde se exercita o mais fino teatro de Ilhéus? Qual o melhor local para sediar o Clube RM (ou dos Rolas Murchas, como queiram), com reuniões ordinárias a partir do meio dia de todos os sábados e um grito de Carnaval (também no sábado)? Somente na Barrakitika, especialmente localizada no providencial Beco das Marchinhas.
Até mesmo o todo-poderoso presidente da Academia de Letras, Artes, Música, Birita, Inutilidades, Quimeras, Utopia e Etc. (Alambique) – com todos os poderes que lhe são revestidos como ser imortalcoolizado – já utilizou os serviços da Barrakitika para lançar o livro “A Mulher do Lobisomem”, com direito a sessão de autógrafos e tudo mais que tem direito.
E para mim a Barrakitika não podia ser indiferente, frequentador que sou dos botequins. Tanto, assim que em 27 de novembro de 2004, publiquei uma crônica no Jornal Agora, sobre a democracia reinante nos botequins, incluindo, aí a Barrakitika. Para os saudosistas que queira relembrar…não façam cerimônia.
Democracia a toda prova
Walmir Rosário*
Nada melhor do que jogar conversa fora num botequim. Quem conhece a filosofia dos frequentadores dessas extensões do trabalho e de casa sabe que não existe nada melhor do que uma boa discussão para voltar pra casa aliviado das tensões após um dia de trabalho estafante. Até hoje não sei por que cargas d’água os médicos (principalmente os cardiologistas) não prescrevem para os estressados candidatos a pontes de safena uma passadinha diária num dos muitos botequins dacidade.
Botequim que se preza deve oferecer aos clientes boas e variadas bebidas, cerveja gelada e tira-gostos de se comer “rezando”. Taí uma receita que não falha e depende apenas de acrescer uma boa dose de atendimento exemplar, que o sucesso está assegurado. Com todos esses ingredientes, bons clientes chegarão aos borbotões, e como o homem é um ser gregário, aí é só ir fazendo a seleção natural.
Eu mesmo conheço vários em diversas cidades, aos quais faço questão de frequentar sempre que retorno, pois vejo os amigos, fico a par das notícias passadas e ainda posso fazer previsões para o futuro. Em Ilhéus, até hoje “choro” o desaparecimento do Sancho Pança, reduto de vários “tribos”, que se reuniam em vários ambientes.
Mas como Secundino decidiu mudar de ramo, mudaram-se também os clientes para a não menos gostosa Barrakitika, que resiste bravamente até hoje, reunindo artistas e intelectuais das mais diversas expressões, boêmios de todos os naipes, executivos e até quem não gosta de nada disso e só quer beber em paz. Aos poucos, esses importantes redutos vão caindo, enquanto outros, como os botecos do Beco do Fuxico, em Itabuna, a exemplo do ABC da Noite, Whiskitório, e o Ithyel (hoje, Artigos para Beber, de Eduardo), vão ficando como os últimos bastiões da democracia.
Democracia, sim, porque não há outro local onde o contraditório, a discordância de idéias sejam tão respeitados como numa mesa de bar. E vai além, nesses locais, o debate vai muito além das quatro cadeiras (de uma mesa) e chega até às mesas vizinhas sem a menor cerimônia. Esporte, vida alheia e política são as mais preferidas, esta última capaz de exaltar os ânimos dos mais comedidos (a depender de quantas doses já tenham tomado), e tudo fica esclarecido.
Que maior exemplo de democracia poderia ser apresentado ao leitor do que a mesa de bar, onde os pares se reúnem sem pauta prévia nem obrigação de presença e dentro dos mais altos padrões de civilidade. No caso do bar, ainda levam muita vantagem em relação a muitas câmaras municipais, já que não complicam a vida dos munícipes nem gastam o dinheiro do contribuinte. Sem contar que debatem assuntos da comunidade.
Com isso não quero aqui execrar o trabalho dos ilustres edis, cada vez mais repudiados pelos nossos eleitores, principalmente por não costumar honrar, durante o mandato, os compromissos assumidos na campanha. Os altos subsídios (salários) percebidos para fazer pouco (ou, em alguns casos, nada) também são motivos de baixa reputação dos nossos eleitos junto à plebe ignara.
Nada mais nos resta do que, com todo o respeito, reivindicar junto aos nossos deputados federais, senadores e ao presidente da República, a convocação de uma Constituinte, para que possamos modificar o papel dos parlamentares municipais. Ao invés de eleições caríssimas, poderíamos eleger alguns bares da cidade e, através do debate democrático exercido pelos freqüentadores, apreciar (democraticamente) e aprovar as questões mais prementes da sociedade.
Uma idéia de vanguarda como essa poderia fazer com que os políticos passassem a agir de acordo com a vontade das bases, atuando em sistema de rodízio, de acordo com a proximidade da questão. Assim, o povo do São Caetano não estaria interferindo nas questões da Califórnia e vice-versa. Porém, a maior contribuição seria a conscientização sobre a necessidade do exercício da democracia, sem pressões, como exercem hoje nossos prefeitos.
*Advogado, jornalista e frequentador assíduo de botequins.