Walmir Rosário*
Não me lembro bem do ano, mas juro, se minha memória não
falha, que o fato aconteceu no início da década de 60, no bairro da Conceição –
ainda com aquele jeito suburbano, mas que já demonstrava vocação de
desenvolvimento. O fato aqui relatado foi motivo de orgulho para empresários e
políticos itabunenses, compenetrados que estavam com a inauguração de uma
promissora indústria de cerveja, a Baita.
Os mais novos podem até não entender o motivo desse orgulho,
como se tratasse apenas de patriotada. Não, Itabuna iria competir com os
estados do Sul e Sudeste, única região do País que detinha a primazia de
industrializar cerveja, produto trazido para Brasil pelos alemães, dentre
outros europeus.
Agora, sim, Itabuna, o eldorado do cacau, com experiência
restrita ao comércio, praticado com sabedoria pelos sírios e libaneses (ou
turcos, quando queríamos zombar deles) iríamos partir para a industrialização,
competir com o Rio de Janeiro e São Paulo.
O bairro Conceição foi o primeiro a sediar uma fábrica de cerveja |
As notícias dadas como manchetes nos jornais locais eram
ufanistas (como desenvolvimentistas empedernidos
que sempre fomos) e já
sonhávamos com as chaminés despejando fumaça nos céus. Ao invés da mão-de-obra
rural, acostumada a podão e biscó, teríamos operários de macacão apertando
parafusos, azeitando máquinas, alimentando caldeiras. Era a glória!
Mas de onde viria essa empresa disposta a investir em
Itabuna? O quê esses capitalistas estrangeiros teriam vislumbrado para montar
uma indústria dessa magnitude, já que no máximo nos contentávamos com pequenas
fábricas de cachaça? Mesmo assim do tipo “rinchona”, baldeando o produto vindo
do alambique com álcool comprado em tonéis de 200 litros das usinas de Sergipe
e Alagoas, conforme reclamavam os paladares mais exigentes.
Não, não se tratava de investidores alemães ou suíços acostumados
aos lucros exorbitantes conseguidos com a compra de cacau e os adiantamentos
feitos aos cacauicultores, que geralmente terminava com a entrega das fazendas.
Nada disso, em Itabuna existia gente disposta a investir no desenvolvimento
local, gente que não destoava de seus antepassados, responsáveis pela grandeza
da cidade.
Claro que não eram homens poderosos, coronéis do cacau,
acostumados a se meter em outras lides, derrubando matas, plantando cacau,
fazendo pasto para colocar gado. Eram duas pessoas simples, trabalhadores,
moradores do singelo bairro da Conceição, devotos da santa padroeira e fiéis
assíduos das missas rezadas pelos frades capuchinhos Justo, Isaías e Apolônio.
Um, Antônio Vieira, era homem de saberes, professor de
línguas – latim, português, francês e inglês – aprendidos no seminário, onde se
ordenou padre, tendo deixado o hábito tempos depois, mas isso não importa
agora. O outro, Zacarias bem esse já era diferente e tinha pendores (ou
know-how, como dizem os americanos) para tal mister, pois detinha conceituados
conhecimentos para a fabricação de vinagre.
Embora possa parecer que a ideia de fabricar cerveja tenha
partido de Zacarias, a história é bem diferente, e foi justamente o professor
Vieirinha quem convenceu o outro a formar sociedade. Mesmo antes de montar a
Baita, o professor Vieira já era possuidor de um equipamento cervejeiro
doméstico, e não relutava ir ao Rio de Janeiro e São Paulo para comprar malte,
lúpulo e outros insumos próprios para o fabrico.
Nos fins de semana em que fabricava sua cerveja caseira era
uma festa para os amigos, vizinhos e a garotada, que se transformavam em
“pilotos de provas”, entre eles meu irmão Valter Rosário, amigo de seus filhos.
Com esse aprendizado foi um pulo comprar equipamento para fabricar a mais
legítima cerveja itabunense, baiana. Daí o nome Ba-ita, junção patriótica de
Bahia e Itabuna.
Lembro-me como se fosse hoje a chegada dos caminhões com o
maquinário e insumos. Uma festa para a garotada, que conferia a todo o dia a
montagem da indústria. Aos poucos a fábrica foi tomando corpo, as experiências
feitas, até os mestres cervejeiros darem o produto por acabado. Agora era a vez
de vender, convencer os donos de bares a comprar a bebida, “filha da terra”,
como diziam, arrematando que “não ficava nada a dever à Brahma e Antarctica”.
Como parte do marketing, tinha os frades capuchinhos para
abençoar o empreendimento, o prefeito Félix Mendonça e o deputado estadual José
de Almeida Alcântara para inaugurar. Neste dia, boa parte da cidade da gente
graúda do centro da cidade estava no Conceição. Na hora, foguetes estourando, o
professor Vieirinha abre uma cerveja e oferece a Alcântara o primeiro copo.
Alegando uma indisposição, coisa de um sarapatel que tinha comido na feira,
pegou o seu copo e ofereceu a um amigo que lhe acompanhava.
Era o funcionário do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
Comerciários (IAPC), o saudoso Manuel Leal, que se tornou o primeiro “piloto de
prova” da Baita, numa deferência toda especial do amigo deputado.
Quanto à Baita? Infelizmente não resistiu à concorrência das
rivais e terminou sucumbindo. Com isso Itabuna perdeu uma grande oportunidade
de se tornar o primeiro polo cervejeiro do Norte e Nordeste, já que Salvador
somente anos depois ganhou suas duas primeiras fábricas. Essa é mais uma prova
de que somos pioneiros também na fabricação de cerveja.
*Jornalista, advogado e editor do www.ciadanoticia.com.br
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