Walmir Rosário*
Não que agora não os sejam. Mas é que os tempos mudam e nem sempre
os costumes mais antigos costumem acompanhar o modismo. Mas é assim
mesmo. Quando digo que o beco – ou seu plural – já foi local de
respeito, digo e provo. O próprio Beco do Fuxico – para uns Beco
do Progresso (mas que não acho graça) – teve seus dias de glória.
No seu apogeu – e foram muitos anos na crista da onda – era palco
de botecos famosos frequentados por quem de direito e tinha negócio
para tanto. Outros menos votados também faziam incursões etílicas
de pouca monta, mas nem por isso menos importante. Botecos tantos de
vizinhança famosa, afinal um nome desses não se empresta – doa ou
vende – a-toa.
Tendas – ou oficinas, como queiram – de mestres em alfaiataria,
sapataria, quitandeiros e outros especialistas nas artes eram figuras
conhecidas por exercerem seus ofícios na dita cuja área, cuja fama
ultrapassava mangues e praias, espalhando-se além fronteiras. Era,
sobretudo, um local de farto saber e conhecimento.
Sim, isso mesmo, pois em que locais se reuniam esses mestres para
falar do dia a dia de suas labutas e da vida alheia? Local mais
apropriado do que um boteco, impossível! E implantado no Beco do
Fuxico, melhor ainda, pois não existe em qualquer lugar do mundo com
tamanha competência, curriculum ou DNA, como queiram.
Mas como tudo que sobe, desce, o Beco não resistiu e as portas ditas
do progresso foram sendo fechadas. Com o afastamento dos mestres em
ofícios dos mais diversos e a diminuição da frequência do cais do
porto, os botecos foram cerrando as portas e se mudando de endereço.
Espalharam-se para o Norte, Sul, Leste e Oeste. Bastar dar uma
corridinha e conferir in loco.
BECO DO BERIMBAU
O Beco do Berimbau em dia de festa: a Galeota de Ouro |
Este, o Berimbau, foi local de resistência da boemia canavieirense
por muitos anos. Até que morte nos separe, foi a regra. Enquanto
comandado por Neném de Argemiro sentou praça e fez história,
contada em prosa e verso – mais prosa do que verso – por conta
das verdades melhoradas contadas por um dos membros – ou confrades
– mais assíduos: Raimundo Antônio Tedesco, historiador tido e
havido como grande conhecedor da arte de contar causos.
Confrade, eu disse, e repito com todas as letras, haja vista o
surgimento ou o achamento, no vocabulário de qualquer
his(es)toriador que se preze da dita arte. Pois bem, esse foi o nome
dado aos frequentadores do boteco O Berimbau, por tomarem parte na
Confraria do Berimbau, nome recebido na pia batismal de qualquer
botequim que se preze: o pé de balcão.
Mas como anteriormente disse, “até que a morte nos separe”, O
Berimbau, de nome e importância na praça, continuou a ser
frequentado até a aposentadoria de Neném de Argemiro e sua última
viagem à eternidade. Sem Neném, calou-se o trompete, calaram-se os
confrades (apesar da teimosia em continuar sentando praça no local).
Não se ouve qualquer barulho de copos, não é sentido o olfato do
mal-assado.
O silêncio no Beco de O Berimbau ainda ecoa na memória dos que
frequentaram o boteco e nas histórias contadas sobre a “Galeota de
Ouro”, que por anos a fio escolhia o “melhor entre os piores”
para conceder tão humilhante troféu, ou distinta honraria, a
depender do distinto. Melhor congraçamento nunca houve antes na
história de Canavieiras e que ficou gravado para a posteridade. A
cisão entre os confrades enterrou nas cinzas do braseiro onde eram
assados os espetinhos de gato oferecidos aos convidados.
Como dizia aquela publicidade antiga: “Bastante imitada, mas nunca
igualada”.
ENDEREÇO ANÔNIMO - Hoje, o
Beco de O Berimbau faz parte, ou melhor, ostenta no Código de
Endereçamento Postal de Canavieiras com nome metido a besta: Rua Dr.
João de Sá Rodrigues (nada, absolutamente nada contra o patrono).
Mas, nos guardados de um dos confrades, o Antônio Amorim Tolentino
(Tolé), está estampado: Beco de O Berimbau, da esquina de Tião da
Kombi até a Rua Dr. José Marcelino.
*Blogueiro e apreciador das artes dos comes e bebes.
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