segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

E O BERIMBAU VOLTOU – COM TODA SUA FAUNA


A clientela voltou ao Berimbau nos dias de sábado
O dia era 13 de dezembro e foi comemorado com todas as honras, até para Santa Luzia, como consta na abertura da ata, lavrada pelo eterno secretário Tolé. Antes, ao raiar do dia, alvorada com fogos, tudo igual como na comemoração do Dia de São Boaventura (15 de julho, data tida e havida como a verdadeira). Afinal, a data tinha que ser comemorada com todas as honras, pois estava de volta o Berimbau, sem o comando físico de Neném de Argemiro, que cedeu o lugar ao casal Zé do Gás e Vera.
Da “fauna” frequentadora, todos presentes conforme a chamada, exceto aqueles que se foram para fazer companhia a Neném. Dos presentes, dois subverteram a ordem: Tolé e Turrão fizeram pouco das cachaças e cerveja, menos Tolé que tentava enganar a galera com uma Brahma sem álcool (um desrespeito a um lugar tão sério). Das ausências, algumas devidamente alegadas por justo motivo, mas com presença garantida para as próximas.
Com mais de 40 anos de experiência no ramo etílico, o Berimbau retorna às atividades mantendo o ritual e todas as liturgias, a exemplo da batida do sino, e do bate-papo puro e desinteressado da vida alheia. Como de sempre, a cachaça, cerveja bem gelada e o mal-assado de sábado. Não faltaram visitas dos clientes que hoje residem outras cidades. Os membros Confraria do Berimbau se fizeram presentes, como antes.

Daqui pra frente todos os sábados serão diferentes.

CONFIRA O ÁLBUM DE FOTOS 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O CASTIGO VEIO DE KOMBI

Walmir Rosário*


O ano era 1977 – salvo melhor juízo – período em que retornei de Salvador para Paraty. À época, a cidade já passava por uma transformação, porém ainda mantinha seu espírito bucólico, em que prevalecia a amizade, apesar da recém-chegada onda consumista. A chegada do progresso era fato e todos queriam se beneficiar dele e de seus efeitos, mas de forma honesta, no pensamento de alguns.

Entre as atividades em ascensão a produção de cachaça era a mais promissora delas, notadamente para quem conhecia do ofício, como Eduardo Mello, o Eduardinho, fiel seguidor dos ensinamentos do seu pai, Antônio Melo, produtor – por anos a fio – da cachaça “Quero Essa”. Com a venda da Fazenda Boa Vista, os novos proprietários – industriais paulistas, creio eu – fechou o alambique, deixando órfãos uma legião de cachacistas apreciadores do bom e precioso néctar da cana.

E nada tirava da cabeça de Eduardinho continuar a desempenhar o mister aprendido por anos e anos, plantando, colhendo, moendo cana e destilando o seu caldo até chegar ao ponto ideal da excelente cachaça. Não é de hoje que a cachaça de Paraty era cantada verso e prosa Brasil afora, e a semelhança não é mera coincidência, Paraty cidade, paraty cachaça, da boa, como convém aos apreciadores mais entendidos.

Até que chegou a oportunidade de ouro para o filho de Antônio Mello. Após várias tentativas, eis que um dos bons produtores de cachaça, o Ormindo, que fabricava a Coqueiro, pretendia se aposentar. Por outro lado, Eduardinho, que se aposentara precocemente e temporariamente, queria voltar a trabalhar, alambicar cachaça, cachaça do mesmo padrão de qualidade da “Quero Essa”, ou da “Vamos Nessa”, feita pelos seus avós. Era o caldo de qualidade, no fogo adequado.

E para “fechar o negócio”, marcamos uma Sexta-feira da Paixão como o “Dia D”. Tudo de forma bem planejada numa das muitas noitadas do Cana Verde. Cerca de meia-noite saímos da boemia com o compromisso de estarmos de prontidão às 6 da manhã no cais e zarpar para o encontro com o Ormindo, na Fazenda Engenho D'água.

No horário aprazado, lá estávamos nós – eu, Eduardinho, seu irmão Neguinho (Antônio Carlos) e Jorginho, este amigo e dono do barco que nos levaria ao então alambique, cujo único meio de comunicação era o marítimo. Apesar de cedo, já encontramos aberto o bar “Bem-me-quer”, do Edmir, e encomendamos nossas provisões (víveres) para a viagem. Do pedido constaram 24 latas de cerveja Skol, carteiras de cigarros (ainda tínhamos esse péssimo vício) e oito sanduíches de filé.

A manipulação dos sanduíches foi prontamente rechaçada pela cozinheira Madalena, que se recusou a cometer tal heresia:

Comer carne na Sexta-feira Santa é um sacrilégio e Deus vai castigar quem fizer e comer – se desesperou Madalena.

Após várias intervenções de Edmir, finalmente, muito a contragosto, Madalena preparou os (mal)ditos sanduíches e rumamos para embarque na Kombi (assim era chamado o barco de Jorginho, pela sua aparência com o veículo fabricado pela Volkswagen). Após umas três cervejas e dois sanduíches de filé, finalmente chegamos à fazenda de Ormindo.

Negócio fechado, comemoramos com mais um litro de Coqueiro e alguns mergulhos no mar. Ao por do sol resolvemos rumar de volta para Paraty, fazendo planos para a mudança do alambique e a nova produção.

Tudo era festa, até notarmos os primeiros sinais de problema no motor da Kombi “flutuante”, que começou a perder força. Diagnóstico feito na hora, era a junta do cabeçote que tinha queimado. Alegres e satisfeitos com a aquisição do alambique, não nos afobamos e a cada cinco ou dez minutos desligávamos o motor até que esfriasse, para navegarmos mais um bom pedaço.

Se os problemas do barco não nos afligia, situação diferente se passava na cidade, após constatado o nosso sumiço. No bar, Madalena não se cansava de pregar os castigos de Deus com os hereges que se atreveram a comer carne na Sexta-feira da Paixão, desafiando os desígnios de Deus. Aos poucos, nossas famílias foram para caís, apavoradas com a demora do regresso, a notícia “corria costa” e as versões superavam o fato.

De boca em boca, Deus tinha feito justiça e castigado os hereges, que perderam-se no mar, naufragando com o peso dos pecados. No mar, cumpríamos nosso “encargo” de navegar e parar para esfriar o motor. Enquanto isso, o povo não arredava o pé do cais, para o desespero de nossas famílias.

Persistentes, nós sobreviventes de um quase acidente marítimo, fomos nos aproximando da cidade. Para nossa alegria, já avistávamos as luzes. Ligávamos o motor...logo em seguida desligávamos, e assim nos aproximávamos do cais.

E esse “calvário” continuou até as 21 horas, quando aportamos, para o alívio e felicidade geral. Âncora ao mar, barco amarrado na ponte, seguimos desfazendo a curiosidade alheia e a bronca das mulheres. E fizemos o primeiro pit stop etílico no “Bem-me-quer”, ponto de origem de toda a fofoca sobre nossas quase mortes no mar da Baía de Paraty.

E, juntos, pedimos ao Edmir uma Coqueiro e à Madalena mais um sanduíche de filé para comemorar a nossa ressurreição!


*Apreciador da boa cachaça.

NO BERIMBAU É ASSIM ...FALTOU, É CITADO POR EDITAL

A direção de o Novo Berimbau, boteco que agora reabre em Canavieiras, enfrenta um sério problema para convidar, ou convocar, como expressa o convite, dos frequentadores, especialmente os membros da Confraria do Berimbau.
Um dos problemas já foi resolvido: "os que passaram desta para melhor", como diz o ditado, serão convocados pelo próprio Neném de Argemiro. Já os que ainda teimam em continuar nesta terra de meu Deus, mas residindo em outras plagas, é não tiveram a convocação resolvida.
Opções várias foram apresentadas, como os telefonemas e o envio de correspondência pelos Correiros, com as características antigas e eventuais. Esta, entretanto, não foi bem aceita, pois os carteiros destas cidades na qual residem os expatriados podem não conhecê-los como no costume anterior.
Mas, do alto de sua sabedoria, o Decano dos Confrades e Decano dos Secretários Municipais, Antônio Amorim Tolentino, consultou o seu Vade Mecum e, com ar eminentemente professoral, determinou: "Ora, está aqui no artigo 3º da Lei de Introdução do Código Civil: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".
E do alto de sua sabedoria, arrematou: "Como se diz no popular, a ninguém é dado o direito de desconhecer a lei, portanto, citem-se os residentes em local incerto e não sabido por edital".
Nada mais disse e não lhe foi perguntado. Apenas cumpriu-se.