Eduardo Lavinsky*
Quem disse que tudo vai de mal a pior no nosso paiz? – assim mesmo, com um z bem esticado no final, numa singela deferência ao presidente Lula (esclareço que, como o Zé Alencar, torço para que ele permaneça mais uns oito anos na Presidência). Mas insisto: quem disse que não está tudo bem? Porque discordo frontalmente desse pessoal que não consegue ou não quer enxergar os extraordinários avanços obtidos pelo nosso Brasil varonil rumo à condição de potência mundial (lembrem-se: já somos emergentes!).
Lógico, algumas questões um tanto incômodas ainda não puderam ser definitivamente resolvidas: violência, drogas, miséria, invasões no campo, saúde pública deficiente, educação idem... Mas, até onde eu sei (e acompanho atentamente os informes oficiais), todas as providências já estão sendo tomadas pelas nossas zelosas autoridades e num futuro próximo tudo isso estará resolvido. E não tenho porque duvidar. Sou (e me orgulho disso) o que chamam de otimista incorrigível.
Devo admitir, no entanto, que ultimamente o meu ânimo andou um tanto abalado por acontecimentos que tiveram profundo reflexo na vida nacional: a Seleção Brasileira não conseguiu o ouro olímpico, perdendo justamente para a Argentina (logo ela!). Sem falar que na classificação geral de medalhas terminamos as Olimpíadas numa posição humilhante, a despeito do ufanismo cívico dos nossos narradores esportivos. E – quem diria? – descobrimos que a assassina de Salvattori é Flora e não Donatela, como todos acreditávamos, o que gerou uma inversão de expectativas capaz de abalar o mais insensível dos corações (ainda não me recuperei do golpe, devo confessar).
Além disso, os nossos olhos se abriram, enfim, para o brutal constrangimento imposto a concidadãos ainda sem culpabilidade provada em juízo e que vinham sendo arbitrária e espetaculosamente algemados pela Polícia. Embora a medida só valha, na prática, para os endinheirados com bom trânsito nos tribunais superiores, devemos admitir que já é um começo. Evidentemente, a lista de registros sobre os grandes dilemas nacionais não acaba por aí, mas por que perder tempo com coisas desagradáveis? Sejamos otimistas, digo sempre, e geralmente sou recompensado por pensar assim.
Ontem, por exemplo (escrevo estas mal traçadas na terça-feira, 26), tive a grata satisfação de assistir pela primeira vez este ano à propaganda eleitoral pela televisão. Mesmo envergonhado por negligenciar um dever nunca esquecido por qualquer cidadão politizado e responsável, admito que só sintonizei o programa por um incontrolável acesso de curiosidade (nesse horário normalmente preferia me dedicar a atividades que imaginava mais prazerosas, como bater um papinho com alguma atendente de telemarketing ou dar uma esticadinha até a fila do Bom Preço). No entanto, cometeria uma injustiça se não dissesse que, desta vez, fiquei agradavelmente surpreso com o que vi na telinha. Surpreso apenas, não... Maravilhado!
Eu simplesmente não sabia que uma enorme quantidade de pessoas está preocupada com o meu bem-estar e firmemente disposta a garantir que os próximos quatro anos sejam os melhores e mais gratificantes de toda a minha vida. E isso, pelo que pude entender, sem visar nenhuma recompensa, movidas por pura generosidade, além de um irresistível ímpeto de cuidar de mim, e, de quebra, tirar a Itabuna velha de guerra do atraso (ou seria o inverso?). De qualquer forma, creio que tanto desprendimento deve merecer a minha eterna gratidão. E pense nisso você também. Afinal, como os próprio candidatos sempre fazem questão de deixar claro, exercer um mandato público é atividade estafante, que exige sacrifício desmedido.
Descobri, aliás, que fazia péssimo juízo de pessoas que antes eu só via à distância, a bordo dos seus carros de luxo ou protegidas atrás das cercas elétrica dos seus casarões. Até cheguei a achar algumas delas esnobes, mas que nada, era pura impressão. Na verdade, esse pessoal é simples e boa-praça... Tanto que também vai às favelas, abraça apertado os catadores que vivem no lixão e bota no colo criancinhas com o nariz escorrendo meleca. É comovente, sobretudo, a sinceridade que emana por todos os poros dos nosso futuros bemfeitores e a sólida convicção que mostram ao falar de suas vindouras (e numerosas) ações.
É bem verdade também que alguns prometem o que jamais poderão realizar (candidatos a vereador garantindo segurança pública, educação e saúde, enquanto postulantes à Prefeitura acenam com providências que são atribuições apenas do Governo Federal, quando não de santos bons de milagre). Mas é compreensível: a vontade imperiosa de servir à sofrida população itabunense justifica esses pequenos arroubos. E tenho que dar a mão à palmatória: ao contrário do que eu pensava antes, aparecer na TV não é privilégio apenas de “gente jovem e bonita” (para citar dois atributos sempre muito festejados nas colunas sociais). Povão também aparece na telinha, e não só nos programas policiais.
Presenciei um repórter dedicar preciosos minutos do tempo concedido pela Lei Eleitoral a sua coligação para entrevistar um velho maltrapilho, cujo rosto vincado exibia as marcas de décadas e décadas de abandono e sofrimento. Foi um tanto doloroso vê-lo, homem beirando talvez os 80 anos, chorar feito criança ao ser minuciosamente sabatinado sobre a existência miserável que sempre levou. Também não foi muito confortante ver uma favelada, instada pelo diligente repórter, mostrar uma panela onde boiavam dois ou três pedaços minúsculos de alguma coisa não identificável – a única refeição para uma família inteira, talvez para mais de um dia.
Contudo, tenho absoluta certeza de que a exposição de seres humanos naquela situação não é oportunismo deslavado, mas sim uma estratégia necessária e... didática, digamos assim. Afinal, é preciso deixar bem claro (e o povo é ruim de aprender) que se a gente eleger a pessoa certa, aqueles favelados e mais algumas centenas deles que existem por aí passarão automaticamente do inferno ao melhor dos mundos. E nós todos iremos juntos, naturalmente.
Portanto, se você está desgostoso com a vida, descrente do futuro e borocochô a ponto de sua mulher sugerir Costeletas de Carneiro à Afrodite em sua dieta, não desanime: ligue a TV, abra olhos e ouvidos para o que dizem os nossos candidatos e encha-se de ânimo e confiança. Eu fiz isso e agora posso afirmar com absoluta convicação que desta vez Itabuna vai... Agora vai!
*Jornalista
No entanto, cometeria uma injustiça se não
dissesse que desta vez fiquei agradavelmente surpreso
com o que vi na telinha. Surpreso apenas, não... Maravilhado.
Lógico, algumas questões um tanto incômodas ainda não puderam ser definitivamente resolvidas: violência, drogas, miséria, invasões no campo, saúde pública deficiente, educação idem... Mas, até onde eu sei (e acompanho atentamente os informes oficiais), todas as providências já estão sendo tomadas pelas nossas zelosas autoridades e num futuro próximo tudo isso estará resolvido. E não tenho porque duvidar. Sou (e me orgulho disso) o que chamam de otimista incorrigível.
Devo admitir, no entanto, que ultimamente o meu ânimo andou um tanto abalado por acontecimentos que tiveram profundo reflexo na vida nacional: a Seleção Brasileira não conseguiu o ouro olímpico, perdendo justamente para a Argentina (logo ela!). Sem falar que na classificação geral de medalhas terminamos as Olimpíadas numa posição humilhante, a despeito do ufanismo cívico dos nossos narradores esportivos. E – quem diria? – descobrimos que a assassina de Salvattori é Flora e não Donatela, como todos acreditávamos, o que gerou uma inversão de expectativas capaz de abalar o mais insensível dos corações (ainda não me recuperei do golpe, devo confessar).
Além disso, os nossos olhos se abriram, enfim, para o brutal constrangimento imposto a concidadãos ainda sem culpabilidade provada em juízo e que vinham sendo arbitrária e espetaculosamente algemados pela Polícia. Embora a medida só valha, na prática, para os endinheirados com bom trânsito nos tribunais superiores, devemos admitir que já é um começo. Evidentemente, a lista de registros sobre os grandes dilemas nacionais não acaba por aí, mas por que perder tempo com coisas desagradáveis? Sejamos otimistas, digo sempre, e geralmente sou recompensado por pensar assim.
Ontem, por exemplo (escrevo estas mal traçadas na terça-feira, 26), tive a grata satisfação de assistir pela primeira vez este ano à propaganda eleitoral pela televisão. Mesmo envergonhado por negligenciar um dever nunca esquecido por qualquer cidadão politizado e responsável, admito que só sintonizei o programa por um incontrolável acesso de curiosidade (nesse horário normalmente preferia me dedicar a atividades que imaginava mais prazerosas, como bater um papinho com alguma atendente de telemarketing ou dar uma esticadinha até a fila do Bom Preço). No entanto, cometeria uma injustiça se não dissesse que, desta vez, fiquei agradavelmente surpreso com o que vi na telinha. Surpreso apenas, não... Maravilhado!
Eu simplesmente não sabia que uma enorme quantidade de pessoas está preocupada com o meu bem-estar e firmemente disposta a garantir que os próximos quatro anos sejam os melhores e mais gratificantes de toda a minha vida. E isso, pelo que pude entender, sem visar nenhuma recompensa, movidas por pura generosidade, além de um irresistível ímpeto de cuidar de mim, e, de quebra, tirar a Itabuna velha de guerra do atraso (ou seria o inverso?). De qualquer forma, creio que tanto desprendimento deve merecer a minha eterna gratidão. E pense nisso você também. Afinal, como os próprio candidatos sempre fazem questão de deixar claro, exercer um mandato público é atividade estafante, que exige sacrifício desmedido.
Descobri, aliás, que fazia péssimo juízo de pessoas que antes eu só via à distância, a bordo dos seus carros de luxo ou protegidas atrás das cercas elétrica dos seus casarões. Até cheguei a achar algumas delas esnobes, mas que nada, era pura impressão. Na verdade, esse pessoal é simples e boa-praça... Tanto que também vai às favelas, abraça apertado os catadores que vivem no lixão e bota no colo criancinhas com o nariz escorrendo meleca. É comovente, sobretudo, a sinceridade que emana por todos os poros dos nosso futuros bemfeitores e a sólida convicção que mostram ao falar de suas vindouras (e numerosas) ações.
É bem verdade também que alguns prometem o que jamais poderão realizar (candidatos a vereador garantindo segurança pública, educação e saúde, enquanto postulantes à Prefeitura acenam com providências que são atribuições apenas do Governo Federal, quando não de santos bons de milagre). Mas é compreensível: a vontade imperiosa de servir à sofrida população itabunense justifica esses pequenos arroubos. E tenho que dar a mão à palmatória: ao contrário do que eu pensava antes, aparecer na TV não é privilégio apenas de “gente jovem e bonita” (para citar dois atributos sempre muito festejados nas colunas sociais). Povão também aparece na telinha, e não só nos programas policiais.
Presenciei um repórter dedicar preciosos minutos do tempo concedido pela Lei Eleitoral a sua coligação para entrevistar um velho maltrapilho, cujo rosto vincado exibia as marcas de décadas e décadas de abandono e sofrimento. Foi um tanto doloroso vê-lo, homem beirando talvez os 80 anos, chorar feito criança ao ser minuciosamente sabatinado sobre a existência miserável que sempre levou. Também não foi muito confortante ver uma favelada, instada pelo diligente repórter, mostrar uma panela onde boiavam dois ou três pedaços minúsculos de alguma coisa não identificável – a única refeição para uma família inteira, talvez para mais de um dia.
Contudo, tenho absoluta certeza de que a exposição de seres humanos naquela situação não é oportunismo deslavado, mas sim uma estratégia necessária e... didática, digamos assim. Afinal, é preciso deixar bem claro (e o povo é ruim de aprender) que se a gente eleger a pessoa certa, aqueles favelados e mais algumas centenas deles que existem por aí passarão automaticamente do inferno ao melhor dos mundos. E nós todos iremos juntos, naturalmente.
Portanto, se você está desgostoso com a vida, descrente do futuro e borocochô a ponto de sua mulher sugerir Costeletas de Carneiro à Afrodite em sua dieta, não desanime: ligue a TV, abra olhos e ouvidos para o que dizem os nossos candidatos e encha-se de ânimo e confiança. Eu fiz isso e agora posso afirmar com absoluta convicação que desta vez Itabuna vai... Agora vai!
*Jornalista
No entanto, cometeria uma injustiça se não
dissesse que desta vez fiquei agradavelmente surpreso
com o que vi na telinha. Surpreso apenas, não... Maravilhado.
2 comentários:
ISSO, É BRASIL!!!
Nada melhor do que não fazer nada, só pra olhar pra TV!
É quase assim mesmo, se você tem tempo e saco, olha o programa eleitoral.
Das duas, uma: Usa o humor, como do escrito por Eduardo, ou se exaspera, desliga a TV e dá uma banana pros políticos.
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