Walmir Rosário*
“Motorista, não se deve dirigir bebendo, você pode derramar
a bebida”,
ensinamento deixado pela Confraria do Berimbau para a posteridade.
Desde que o mundo é mundo e nele mora gente ser levado pra casa por
um carrinho de mão é sinal de que o cidadão extrapolou na bebida.
Na Vila Imperial de Canavieiras – mesmo já emancipada politica e
administrativamente – esse costume nunca foi diferente, afinal, os
amigos são para essas coisas, ainda mais sendo “levado aos
costumes”, no trajeto do boteco para casa.
Artur da Farmácia, o primeiro ganhador do Troféu |
O Nascimento - O bancário Kleber Assunção (entre outros
indigitados) não dispensava o serviço prestado pelos amigos, assim
como outros indigitados bebedores. E essa cena do cotidiano despertou
a atenção de um grupo de amigos – craques do mesmo time, ou
farinha do mesmo saco – para comemorar tão repetido gesto de
solidariedade.
A turma que secava as garrafas do Berimbau, boteco de respeito e que
se prezava pelo diversificado estoque de engarrafados, resolveu levar
a comemoração ao pé-da-letra, concebendo um evento para distinguir
– com as patentes e galardões merecidos – os merecedores de tão
importante e significativa honraria.
Para não sofrer as conhecidas pressões de grupos e indivíduos
interesseiros e interessados, a primeira reunião foi agendada para a
nem tão pomposa Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB),
com a finalidade de conceber e planejar importante evento. Após
discussões intermináveis, não se chegou a consenso algum, pois a
embriagues dos pioneiros organizadores não permitiu.
Teimosos e compenetrados em desmoralizar o ditado popular que afirma
em alto e bom som de que “padeiro não come pão”, após passada
a bebedeira da reunião inicial, Tolé, Tedesco, Tyrone, Juca Seara e
Turrão voltaram à carga em novo encontro, desta vez todos
desarmados das garrafas de bebidas alcoólicas – enquanto durou o
conclave –, admitindo-se apenas a ingestão pura e simples de água
mineral sem gás.
Aos que não tiveram nenhum contato físico – ou por ouvir dizer –
com o “Troféu Galeota de Ouro”, aqui vai um aviso. A criação
evento pela Confraria do Berimbau se dera por dois motivos: o
primeiro exclusivamente festivo, na qual sobressaíssem atos de
euforia, causados pelo excesso de bebidas, desregramento e
libertinagem; o segundo, para continuar ao lado de Neném de
Argemiro, dono do boteco e personagem inspirador.
A Vida - Do demorado e complicado “parto”, nasceu,
finalmente, o “Troféu Galeota de Ouro”, a ser promovido no
segundo domingo de dezembro, data que
seria incorporada ao calendário turístico etílico de Canavieiras,
com o pretexto de estabelecer a abertura do verão canavieirense.
Agora, sim, era chegada a hora da comemoração com muita cerveja.
Plano traçado, projeto escrito e datilografado, bastava correr à
rua para conseguir o patrocínio para viabilizar o “Troféu Galeota
de Ouro”, que teria como palco o famoso Beco do Berimbau, também
apelidada de rua Dr. João de Sá Rodrigues, no conceituadíssimo
trecho compreendido entre a esquina de Tião da Kombi até a rua Dr.
José Marcelino.
Para quem não lembra, era o ano de 1996. Projeto debaixo do baixo,
os próceres da Galeota fecharam o patrocínio e todos os detalhes
financeiros foram sendo sanados. Utilizando as mais conhecidas
ferramentas de marketing, cada patrocinador, além das logomarcas
estampadas nas camisetas, ainda levavam algumas dezenas para oferecer
aos clientes e amigos.
O Balcão da Cachaça era cobiçado pelos biriteiros homéricos |
Não chegou a ser um primor de festa, mas valeu pela alegria,
simplicidade e o inusitado da promoção, que escolhia personalidades
habituais nos usos e costumes dos botecos da vida e que cometia
desatinos etílicos devido ao êxtase causado pela ingestão
exagerada de bebidas alcoólicas. Exaltações essas que costumavam
chamar a atenção do seleto grupo que compunha a excelsa comissão
de observadores da Galeota de Ouro. Neste primeiríssimo ano foi
sagrado vencedor Artur da Farmácia, cujo feitos foram grafados em
letras garrafais dos anais da Confraria do Berimbau.
Para uns, a glória, para outros, nem tanto. Existiam alguns, que nem
mesmo compareciam ao suntuoso evento antes de anunciado os nomes dos
distinguidos com tamanha honraria. É certo que mesmo os contumazes
biriteiros dignos do domínio público se recolhiam às suas casas ao
descobrir a comissão de observadores numa festa de largo, a exemplo
dos festejos profanos de São Boaventura. E não era por recato,
garanto.
Mas com a diversidade de cachacistas juramentados merecedores da
distinção a tamanha honraria, ela passou a ser medida em graus,
conforme a intensidade do tresloucado ato cometido, de acordo com a
categoria criada pelos confrades. A premiação variava conforme os
“micos” cometidos durante o ano em observação.
Além do primeiro vencedor, foram instituídos os troféus para a
categoria “Feminina” (a única ganhadora foi Lurdinha Fróes),
Conjunto da Obra”, “Casal Bebum”, “In Memoriam”, “Boêmio
Visitante” e “Homenagem Especial”. Concorrentes em profusão,
mas como diz a Bíblia: “Muitos os chamados, poucos os escolhidos”,
o Troféu Galeota de Ouro teve seus dias de glória e reconhecimento
local, estadual, nacional e quiçá internacional.
Mas como tudo na terra tem um objetivo a cumprir, seu fim foi
decretado em 2002, cujo Troféu somente foi realizado em 2003, por
conta de confusões e incompreensões entre os confrades (dizem que
foi praga de um padre insatisfeito de sua pretensão). E a vingança
foi “maligrina”, como diria o “vampiro brasileiro”, com as
constantes marcações e atrasos na realização do troféu. Um
desses motivos foi a morte do confrade Aécio da Silva Almeida.
A Morte - Há quem compare o triste fim do Troféu Galeota de
Ouro à Torre de Babel, que queria ser maior do que Deus, e que pela
desobediência foi transformada numa confusão de línguas em que um
não compreendia o outro. Há quem jure, de pés juntos, que a
política partidária teria sido a causadora da desagregação dos
confrades e não a praga lançada pelo padre, tese que tem merecido
diversas considerações científicas a respeito.
No processo de desmoronamento causado pela religião, de acordo com a
praga rogada pelo padre – conforme reza a história –, a que diga
que um dos confrades, temente a Deus, é bom que se diga, chegou a
fazer uma promessa para parar de beber. Pedido ouvido, até hoje o
distinto se porta como um abstêmio convicto. Mas Tolé foi apenas
uma exceção.
Entre essas reflexões, contam que o principal fato gerador teria
sido o afastamento do então prefeito do cargo, fundamento
significativo para que dois dos seus colaboradores – Juca Seara e
Turrão – não quisessem mais participar da sua organização. Em
2005 foi feita uma nova tentativa de ressuscitar o Troféu Galeota de
Ouro em outro local – no Pastinho –, cujo know-how foi cedido a
Alvinho e realizado com sucesso, mas que não resistiu à falta de
chame, sedução e encanto dos confrades.
Faltava à nova edição do “Troféu Galeota de Ouro” a
irreverência da Confraria do Berimbau e a certeza da escolha dos
homenageados entre os bebuns que mais aprontaram durante o ano. A
escolha, aliás, era um processo exclusivo e burocrático, com a
aplicação de “Cartão Amarelo” aos candidatos, culminando com o
“Cartão Vermelho”, quando o processo se tornava irreversível
aos olhos dos confrades que integravam a Comissão de Observação.
Segundo conta a lenda que corre-costa, nunca se deve misturar
religião por política, nem pinguço se arvorar a Deus. A mistura,
no máximo, deve se limitar a cachaça com limão.
*Também frequentador do antro
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