Walmir Rosário*
Uma empreitada pra lá de especial.
Para alguns, chega a ser considerado um grande desafio sem precedente
na história da Confraria d’O Berimbau: fazer com que o professor
Durval Pereira França Filho aceite o convite de visitar as
instalações deste instituição que é considerada o mais fino
reduto da boemia de boteco de Canavieiras.
A depender do ângulo analisado, nada
de mais para um historiador renomado visitar para conhecer – in
loco – o templo
histórico de farras e festas homéricas de canavieirenses e
visitantes não menos ilustres. Sem falar na figura ilustre do
fundador e antigo proprietário, Neném de Argemiro, que na pia
batismal adotou o nome de Eliezer Rodrigues, hoje representada por Zé
do Gás.
Caso o desavisado leitor ainda não
tomou conhecimento de tanta peroração, o ambiente não é daqueles
em que o professor e bancário aposentado Durval França ponha seus
pés, pelo menos por vontade própria. O laço que pode unir O
Berimbau e o professor não são as mesas abastecidas com aperitivos
da fina cana e garrafas de cerveja e sim o potencial histórico.
É que Neném de Argemiro – mais
uma vez – foi reconhecido pelos seus feitos em prol da cultura de
Canavieiras, incentivando o Carnaval da cidade com suas fantasias
inéditas e inusitadas, desfilando nos blocos que ele mesmo e sua
família criavam. Curriculum
mais rico e consistente não haveria de aparecer, tanto que foi
distinguido com tamanha honraria de ter sua memória reverenciada na
Festa de Momo.
Ora, mas seria O Berimbau um antro de
perversão, um valhacouto de vagabundos ou um antro de perversão, em
que a simples presença do nosso festejado historiador tivesse sua
honra maculada? Não chega bem a isso, mas para um cidadão que já
passou dos 70 anos sem qualquer anotação de sua presença num
ambiente onde as bebidas alcoólicas predominem na preferência dos
seus frequentadores.
Pra começo de conversa, a Confraria
D'O Berimbau é um estabelecimento sui generis que opera no ramo
etílico com leve ampliação para eventual alimentação do seus
membros, aos sábados, a partir das 9h51min até o último cliente. E
é essa plêiade boêmia a responsável pelo sucesso dessa entidade
etílico-cultural-recreativa, formada por intelectuais, profissionais
liberais, funcionários públicos e privados de todas as classes
econômicas, representando uma clientela heterogênea.
Mais do que provado está que além
de probo e recatado, o professor Durval é um homem religioso e fiel
seguidor da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que abomina esses
locais nem tão bem afamados. Para preservar o conceito e a moral do
professor, de antemão os confrades explicam que a visita é
estritamente profissional, sem qualquer finalidade gastronômica ou
etílica, principalmente.
Essa afirmação dos confrades não
garante, entretanto, a suspensão dos trabalhos d’O Berimbau, para
que não se perca a originalidade do ambiente a ser pesquisado pelo
historiador. As discussões serão mantidas, bem como todo o serviço
de bar e o professor será recebido em alto estilo, ao badalar do
sino, conforme manda a tradição.
Durante a reunião preparatória da
visita um dos confrades se mostrou receoso diante de uma possível
mudança de hábito do festejado mestre, que poderia aderir ao novo
estilo de vida dos confrades, haja vista precedentes históricos.
Chegou mesmo a lembrar a conduta de um professor, pastor de
conceituada igreja protestante, que contagiado com a inauguração do
sistema elétrico da cidade, mandou “fechar” geladeira, freezeres
e litros da mais legítima cachaça de folha e batidas, para a
comemoração entre amigos.
Beirando a maledicência, outro
confrade chegou a jurar o recato do professor, embora alguns
elementos conhecidos pela má língua comentassem a boca pequena, que
no recôndito do seu lar, o professor provasse um bom whisky, desde
que provada sua legítima procedência escocesa. Mesmo sem provas
materiais, a justificativa é que todos os colegas do Banco do Brasil
vendiam os litros recebidos na cesta de natal. “Até hoje não
temos nenhuma notícia da comercialização dos presentes recebido
pelo professor Durval”, sustentou o ex-colega.
Para corroborar a desconfiança –
que se tornava uma quase verdade –, um outro indício foi tornado
público. Este se passara na defesa da dissertação de mestrado do
professor, quando um dos membros da comissão julgadora, o professor
doutor Jorge Araujo fez questão de anunciar em alto e bom aos
presentes ser o candidato a mestre seu parceiro de copo e colega de
mesa de bar nos tempos da juventude, para surpresa de amigos e
familiares. Nada mais disse nem lhe foi perguntado, como costumam
anotar os escrivães em inquéritos e processo.
A essa altura do campeonato, o
professor Durval já era tido e havido como um bem provável futuro
colega – quiçá confrade – após a primeira visita de trabalho.
Afinal, que local mais apropriado que a Confraria d’O Berimbau para
acolher, refugiar e abrigar figura tão ilustre? Ainda mais por se
tratar de uma pesquisa histórica a ser transformada em livro para
dar ciência dos fatos à posterioridade.
Pelo sim, pelo não, durante a
entrega do convite formal ao historiador, os confrades farão questão
de informar que O Berimbau é um porto seguro para reunir –
generosamente – parcela tão ilustre da boemia canavieirense. E no
reforço ao convite constava tão brilhante metáfora: Se os melhores
perfumes estão contidos nos menores frascos e as mais belas e
cheirosas flores nascem no lodo, a Confraria d’O Berimbau reúne o
que existe de melhor na arte, refinamento e sofisticação etílica.
Se crucificaram até Jesus Cristo, o
que não farão esses fariseus com um apóstolo Dele...
Um grande impasse é que a Confraria d'O Berimbau só funciona aos sábados, dia de guarda do professor Durval. Uma parte terá de ceder...
* Um dos confrades