Por Walmir Rosário*
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Tyrone Perrucho, Raimundo Tedesco, Tia Quelé,
Nelson Barbosa, Antônio Tolentino e Walmir Rosário
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Uma unanimidade: assim era considerado o coquinho de Quelé, uma
deliciosa mistura de cachaça com o coco, fabricado anos a fio na
atual rua Dr. Edmundo Lopes de Castro, no bairro da Birindiba, em
Canavieiras. E o delicioso produto etílico, àquela época, era
consumido por pessoas das mais diversas faixas etárias – de
mamando a caducando, como se diz –, bastando, para tanto, saborear
um bom aperitivo.
Aos 89 anos, Dona Clemência Vieira Costa está aposentada deste
afazer desde 2009, para desespero dos antigos e fiéis clientes, que
relembram com água na boca as visitas ao Coquinho de Tia Quelé.
Para uns, visita diária obrigatória – ao meio-dia para despertar
o apetite, ou ao final da tarde para descansar de um dia estafante de
trabalho e se encorajar para um banho frio –; semanais, às
sextas-feiras, com a finalidade de abrir o fim de semana; e ainda
tinha a turma do sábado ou do domingo.
Desculpas de biriteiros à parte, a fama do Coquinho de Quelé reunia
representantes de todas as camadas sociais de Canavieiras por ser um
local onde até os políticos adversários se encontravam e se
comportavam com civilidade. Até mesmo os alunos do Ginásio
Municipal Osmário Batista – uniformizados, inclusive –
frequentemente pulavam o muro para beber um coquinho em Tia Quelé,
como fazia o hoje bancário aposentado, Raimundo Antônio Tedesco,
isso aos 15 anos de idade.
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O coquinho com cachaça, uma iguaria etílica |
Mais de 100 coquinhos eram produzidos mensalmente, sem contar as
encomendas destinadas a parentes e amigos em Salvador, que recebiam
os coquinhos para verdadeiros mimos para matar as saudades da terra
natal. Além do coquinho, Tia Quelé também atendia aos mais
diferentes paladares, oferecendo cachaça com folhas (folha podre, no
ditado popular) e cerveja. Já os tira-gostos eram servidos por
estabelecimentos vizinhos.
No Coquinho de Quelé também tinha a turma da saideira, que amarrava
o jegue no balcão e só deixa a casa depois de pronto e acabado,
embora para uma grande turma era o local do início dos “trabalhos”.
Informa Tedesco, que o local era uma espécie de esquente para a
turma ir à farra, após umas doses espertas do coquinho. “Dali
cada um tomava o seu rumo”, conta Tedesco.
E Tia Quelé, que serviu e introduziu várias gerações ao mundo
etílico e boêmio por várias décadas, finalmente aposentou e não
deixou nenhum substituto à altura, como reclama um dos clientes mais
assíduos, Nélson Barbosa (Nélson Amarelão). Essa também é a
queixa dos canavieirenses que residem em outras cidades, que
frequentemente visitam Tia Quelé em suas idas e vindas. Outro
cliente com muitas encomendas era o ex-bancário Jaime Bandeira, para
presentear os amigos em Salvador.
Até mesmo o bancário aposentado e ex-secretário municipal, Antônio
Amorim Tolentino, hoje fora das lides etílicas, quando relembra o
coquinho de Tia Quelé diz que vem a saliva na boca. Para ele, além
da alta qualidade do produto, a casa de reunia a mais fina-flor da
boemia, a exemplo de Arimar Chaves, Fred Érico Almeida, José Reis,
Almir Melo, Tyrone Perrucho, Toninho Pereira Homem, Ériston
Nascimento, dentre outros, que passavam os mais variados tema em
revista.
Na opinião do jornalista Tyrone Perrucho, mesmo com todos o bares e
botequins da cidade, a casa de Tia Quelé era uma parada obrigatória
da boemia, lembrando a grande profusão desses estabelecimentos em
Canavieiras. “De repente, ficamos órfãos com a aposentadoria de
Tia Quelé. Ela representou para nós o mesmo que Caboclo Alencar, do
ABC da Noite, simboliza para Itabuna”, retratou.
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O bisneto de Quelé, Paulo Henrique, quer continuar a
tradição, produzindo coquinhos para os antigos clientes |
Homenagem - Mas o sentimento de perda do Coquinho de Tia Quelé
deixou nos nostálgicos clientes está perto de ser satisfeita e,
quem sabe, neste Carnaval possam matar as saudades do coquinho, numa
edição especial de homenagem, com 50 coquinhos. Mais ainda, outra
edição do coquinho está prevista para o dia 5 de junho, data em
que Tia Quelé completa 90 anos de idade. Quem promete essa festa
toda é o seu bisneto Paulo Henrique.
A intenção da família é relembrar uma das grandes tradições de
Canavieiras criadas por Tia Quelé e que faz parte da memória da
cidade e das pessoas que aqui viveram e foram apreciadores da
iguaria. A notícia das edições especiais já despertaram alguns
dos clientes mais assíduos, que tentam se inscrever numa lista de
pré-venda e participarem das homenagens.
Reconhecimento - Num expediente sabático na Confraria d’O
Berimbau, entre as várias e simultâneas discussões, o Coquinho de
Quelé foi apontado pelos confrades especialistas em assuntos
etílicos como uma das maravilhas da vida boêmia de Canavieiras.
Considerado um assunto dos mais relevantes, imediatamente foi
programada uma visita de reconhecimento à Tia Quelé, com a formação
de uma comissão de alto nível para a importante missão.
Nesta embaixada, participaram os jornalistas Tyrone Perrucho e Walmir
Rosário, os bancários aposentados Raimundo Antônio Tedesco e
Antônio Amorim Tolentino e o funcionário público aposentado Nélson
Barbosa. O objetivo principal foi o de refrescar a memória das
pessoas sobre uma pessoa que contribuiu para tornar Canavieiras uma
cidade de cultura rica, notadamente na gastronomia e nas bebidas.
Tia Quelé, que criou e netos adotivos, se aposentou aos 81 anos e
hoje vive com o bisneto Paulo Henrique. Atualmente tem dificuldades
em reconhecer as pessoas, mas, com dificuldade, lembra de alguns
fatos e amigos mais chegados, a exemplo de Raimundo Orelhinha e
Wallace Mutti Perrucho. Apesar dessas condições não perde o bom
humor, mesmo quando reclama de algumas dores ao ficar sentada ou em
pé. Mesmo assim não se fez de rogada ao ser chamada a ir para a
porta para pousar na fotografia com os antigos clientes.
*Radialista, jornalista e advogado