segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Coquinho de Quelé ainda é lembrado como uma das delícias de Canavieiras

 Por Walmir Rosário*
Tyrone Perrucho, Raimundo Tedesco, Tia Quelé,
Nelson Barbosa, Antônio Tolentino e Walmir Rosário
Uma unanimidade: assim era considerado o coquinho de Quelé, uma deliciosa mistura de cachaça com o coco, fabricado anos a fio na atual rua Dr. Edmundo Lopes de Castro, no bairro da Birindiba, em Canavieiras. E o delicioso produto etílico, àquela época, era consumido por pessoas das mais diversas faixas etárias – de mamando a caducando, como se diz –, bastando, para tanto, saborear um bom aperitivo.
Aos 89 anos, Dona Clemência Vieira Costa está aposentada deste afazer desde 2009, para desespero dos antigos e fiéis clientes, que relembram com água na boca as visitas ao Coquinho de Tia Quelé. Para uns, visita diária obrigatória – ao meio-dia para despertar o apetite, ou ao final da tarde para descansar de um dia estafante de trabalho e se encorajar para um banho frio –; semanais, às sextas-feiras, com a finalidade de abrir o fim de semana; e ainda tinha a turma do sábado ou do domingo.
Desculpas de biriteiros à parte, a fama do Coquinho de Quelé reunia representantes de todas as camadas sociais de Canavieiras por ser um local onde até os políticos adversários se encontravam e se comportavam com civilidade. Até mesmo os alunos do Ginásio Municipal Osmário Batista – uniformizados, inclusive – frequentemente pulavam o muro para beber um coquinho em Tia Quelé, como fazia o hoje bancário aposentado, Raimundo Antônio Tedesco, isso aos 15 anos de idade.
O coquinho com cachaça, uma iguaria etílica
Mais de 100 coquinhos eram produzidos mensalmente, sem contar as encomendas destinadas a parentes e amigos em Salvador, que recebiam os coquinhos para verdadeiros mimos para matar as saudades da terra natal. Além do coquinho, Tia Quelé também atendia aos mais diferentes paladares, oferecendo cachaça com folhas (folha podre, no ditado popular) e cerveja. Já os tira-gostos eram servidos por estabelecimentos vizinhos.
No Coquinho de Quelé também tinha a turma da saideira, que amarrava o jegue no balcão e só deixa a casa depois de pronto e acabado, embora para uma grande turma era o local do início dos “trabalhos”. Informa Tedesco, que o local era uma espécie de esquente para a turma ir à farra, após umas doses espertas do coquinho. “Dali cada um tomava o seu rumo”, conta Tedesco.
E Tia Quelé, que serviu e introduziu várias gerações ao mundo etílico e boêmio por várias décadas, finalmente aposentou e não deixou nenhum substituto à altura, como reclama um dos clientes mais assíduos, Nélson Barbosa (Nélson Amarelão). Essa também é a queixa dos canavieirenses que residem em outras cidades, que frequentemente visitam Tia Quelé em suas idas e vindas. Outro cliente com muitas encomendas era o ex-bancário Jaime Bandeira, para presentear os amigos em Salvador.
Até mesmo o bancário aposentado e ex-secretário municipal, Antônio Amorim Tolentino, hoje fora das lides etílicas, quando relembra o coquinho de Tia Quelé diz que vem a saliva na boca. Para ele, além da alta qualidade do produto, a casa de reunia a mais fina-flor da boemia, a exemplo de Arimar Chaves, Fred Érico Almeida, José Reis, Almir Melo, Tyrone Perrucho, Toninho Pereira Homem, Ériston Nascimento, dentre outros, que passavam os mais variados tema em revista.
Na opinião do jornalista Tyrone Perrucho, mesmo com todos o bares e botequins da cidade, a casa de Tia Quelé era uma parada obrigatória da boemia, lembrando a grande profusão desses estabelecimentos em Canavieiras. “De repente, ficamos órfãos com a aposentadoria de Tia Quelé. Ela representou para nós o mesmo que Caboclo Alencar, do ABC da Noite, simboliza para Itabuna”, retratou.
O bisneto de Quelé, Paulo Henrique, quer continuar a
tradição, produzindo coquinhos para os antigos clientes
Homenagem - Mas o sentimento de perda do Coquinho de Tia Quelé deixou nos nostálgicos clientes está perto de ser satisfeita e, quem sabe, neste Carnaval possam matar as saudades do coquinho, numa edição especial de homenagem, com 50 coquinhos. Mais ainda, outra edição do coquinho está prevista para o dia 5 de junho, data em que Tia Quelé completa 90 anos de idade. Quem promete essa festa toda é o seu bisneto Paulo Henrique.
A intenção da família é relembrar uma das grandes tradições de Canavieiras criadas por Tia Quelé e que faz parte da memória da cidade e das pessoas que aqui viveram e foram apreciadores da iguaria. A notícia das edições especiais já despertaram alguns dos clientes mais assíduos, que tentam se inscrever numa lista de pré-venda e participarem das homenagens.
Reconhecimento - Num expediente sabático na Confraria d’O Berimbau, entre as várias e simultâneas discussões, o Coquinho de Quelé foi apontado pelos confrades especialistas em assuntos etílicos como uma das maravilhas da vida boêmia de Canavieiras. Considerado um assunto dos mais relevantes, imediatamente foi programada uma visita de reconhecimento à Tia Quelé, com a formação de uma comissão de alto nível para a importante missão.
Nesta embaixada, participaram os jornalistas Tyrone Perrucho e Walmir Rosário, os bancários aposentados Raimundo Antônio Tedesco e Antônio Amorim Tolentino e o funcionário público aposentado Nélson Barbosa. O objetivo principal foi o de refrescar a memória das pessoas sobre uma pessoa que contribuiu para tornar Canavieiras uma cidade de cultura rica, notadamente na gastronomia e nas bebidas.

Tia Quelé, que criou e netos adotivos, se aposentou aos 81 anos e hoje vive com o bisneto Paulo Henrique. Atualmente tem dificuldades em reconhecer as pessoas, mas, com dificuldade, lembra de alguns fatos e amigos mais chegados, a exemplo de Raimundo Orelhinha e Wallace Mutti Perrucho. Apesar dessas condições não perde o bom humor, mesmo quando reclama de algumas dores ao ficar sentada ou em pé. Mesmo assim não se fez de rogada ao ser chamada a ir para a porta para pousar na fotografia com os antigos clientes.
*Radialista, jornalista e advogado

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